Produtos “naturais”

 

A crença em que os “produtos naturais” são, só por isso, benéficos e isentos de perigo não tem qualquer base científica. Para começar, entre os mais potentes tóxicos que se conhecem há substâncias extraídas que se podem considerar naturais, como por exemplo a faloidina dos cogumelos ou a toxina botulínica. Toda a gente sabe que a cicuta, o curare, a beladona, drogas “naturais”, são venenos poderosos e podem ser fatais... Trata-se de um preconceito irracional, supersticioso, um pouco romântico, que assume que a Providência pôs no mundo à nossa disposição todos os produtos de que necessitamos para termos saúde...

É verdade que há na natureza muitíssimas substâncias úteis. Foi com elas que a ciência farmacológica deu os primeiros passos. Mas ao lado há outras substâncias que são perigosas ou fatais. E outras ainda que são interessantes como ponto de partida para a investigação. Todas devem ser pesquisadas, e algumas têm aplicação. Mas é um erro grave imaginar-se que, quando uma substância é extraída de uma planta, é inofensiva por ser “natural”.

Um bom exemplo é a cravagem do centeio. Trata-se de um fungo que parasita o centeio e pode aparecer nas respectivas espigas. A sua ingestão é extremamente perigosa, provocando uma doença, o ergotismo, que causa gangrena das extremidades. Nos tempos medievais chegou a atribuir-se aos judeus a malfeitoria do envenenamento das águas com cravagem. No entanto, em tempos recentes a farmacopeia veio a incluir produtos extraídos da cravagem do centeio, tais como a ergotamina e seus derivados, pelos seus efeitos benéficos na enxaqueca e no envelhecimento cerebral (como o bem conhecido Hydergine). Ainda há alguns anos havia no Alto Douro quem colhesse cravagem para vender à indústria farmacêutica.

Em muitos países está em venda livre o hipericão, com nomes como “erva de S. João” e semelhantes. Comprovou-se que tem efeitos antidepressivos, com possibilidade de ser eficaz em depressões ligeiras ou moderadas, mas descobriram-se vários inconvenientes, como por exemplo interacções com outros medicamentos. Um extracto desta planta, purificado dos componentes mais indesejáveis, está desde 2006 à venda em Portugal com o nome registado de Alacre. Pode ser usado, mas sem nada que o recomende especialmente.

A lecitina foi ensaiada nos quadros de demência, mas mostrou-se completamente inútil. Já outro produto, que exibe alguns efeitos eventualmente positivos nas doenças da memória dos idosos, é extraído de uma árvore oriental (Gingko Biloba) e está comercializado com nomes como Gincoben e Biloban. O efeito é modesto, mas o produto não mostra inconvenientes de maior. A galantamina é outro produto que, inicialmente, era extraído de uma planta (embora hoje seja sintetizado) e tem sido usado com comprovado êxito no tratamento sintomático da doença de Alzheimer. Curiosamente tem também sido vendido em parafarmácias e pela internet para promover sonhos agradáveis e sensuais, coisa que nunca se comprovou.

Outro produto natural, a vincamina, extraído da pervinca, planta ornamental bem conhecida, é também utilizável nas perturbações cerebrovasculares. São exemplos de substâncias com algum efeito, a usar eventualmente, embora alguns derivados sejam comprovadamente tóxicos. Mas se se vier a provar que são eficazes, não é certamente por serem “naturais”, mas porque actuam em determinados receptores do cérebro e de determinadas maneiras. Não é com chaves de pau que se abrem melhor as portas, mas sim com as chaves de metal fabricadas para as respectivas fechaduras...